domingo, 25 de dezembro de 2011

Homilia da Missa do Dia de Natal (Luso e Pampilhosa)

MISSA DIA DE NATAL
25.12.2011

«N’ Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens» (Jo. 1, 4)

Introdução

O mistério de Natal, na multiplicidade das suas celebrações – especialmente a Missa da noite e a Missa do dia – permite-nos contemplar a dupla dimensão do mistério da encarnação do Verbo de Deus – a Sua humanidade e a Sua divindade, sem que se distinga o «acontecimento único e absolutamente singular da Encarnação do Filho de Deus» (cf. CIC. 464). Como bem diz o Catecismo da Igreja Católica, «Ele fez-se verdadeiro homem, permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem» (CIC. 464); ou seja, «É verdadeiramente o Filho de Deus, feito homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor» (CIC. 469). Mas, na pedagogia litúrgica, se ontem o nosso olhar se detinha na humanidade do Verbo da vida, hoje permite-nos contemplar, de modo especial, o mistério divino d’ Aquele que se fez carne no meio de nós – aquele que sendo da natureza do Pai e que com Ele existia, «habitou no meio de nós» (cf. Jo. 1,14). São João e a Carta aos Hebreus – a segunda leitura de hoje – deixam-nos entrever este mistério da preexistência do Verbo da vida, que, sendo um com o Pai, esteve na origem de todas as coisas, pois por Ele tudo foi feito e «sem Ele nada foi feito» (cf. Evangelho).
Por isso Ele é a vida, pois que é um com o Pai e a manifestação plena do Seu amor pelos homens. A vida que Jesus nos comunica é essa mesma vida do Pai, de que Ele participa na condição de Filho. Ora, ao fazer-se carne - o mesmo é dizer, ao fazer-se homem – esta vida revelada torna-se a luz dos homens. Isto é, mediante a Sua Encarnação, Jesus Cristo manifesta-nos o sentido pleno da nossa existência e rasga horizontes de plenitude que nada, nem ninguém mais, nos podem oferecer, porque nos oferece a vida que provém de Deus que é Pai, de que Ele é participante e que agora plenamente se nos manifesta. Neste sentido, N’Ele está a plenitude da vida; realidade que se torna a luz verdadeira para todos os homens. Mas o acolhimento da vida doada em Jesus Cristo pressupõe, da nossa parte, uma adesão livre e consciente – um verdadeiro acto de fé – que, na nossa liberdade, pode ser também de recusa. E é para aí que nos remete a continuação do Evangelho de hoje. Centremo-nos em três das afirmações que são bem expressivas do convite que nos é formulado pelo evangelista João.

1. «Os seus não o receberam» (Jo. 1, 11)

Se esta referência de João nos permite olhar para a Igreja nascente e para a recusa dos
judeus em acolher o Verbo de Deus, não deixa de nos questionar sobre o presente da nossa história e sobre a recusa de tantos irmãos nossos em acolher o Verbo da Vida. De igual modo, permite-nos compreender que também nós recusamos o Verbo de Deus quando d’Ele nos afastamos, seguindo critérios de vivência pessoal que se distanciam da Sua Pessoa e da Sua palavra. Com a expressão «agnosticismo», hoje tão presente na linguagem de alguns, particularmente de jovens e de jovens adultos, indica-se a falta de conhecimento ou, mais propriamente, «uma impossibilidade de conhecer» o mistério de Deus. Ora, com a Encarnação do Verbo, é Deus quem se dá a conhecer; é Ele mesmo quem se revela na nossa história e se faz próximo de cada um de nós. Assim, conhecê-Lo não é já uma impossibilidade, mas um dom que
a todos é oferecido. Basta, para tanto, que nos abramos, na simplicidade do coração, à revelação que continua mediante o Espírito e a acção confiada à missão própria da Sua Igreja. Afinal, o Deus Menino feito carne, no meio de nós, é o Senhor Vivo e Ressuscitado, que a todos ilumina e conduz à plenitude da vida. Mas, nas nossas comunidades cristãs, a predominância pode ser a de um denominado «agnosticismo prático», ou seja, tendo tido a possibilidade de conhecer o mistério de Deus revelado, muitos optam por viver à margem de Deus e da Sua palavra. De algum modo, uma existência humana vivida como se Deus não fosse importante, particularmente
numa sociedade de onde Ele parece estar cada vez mais ausente. O que compreende um drama humano, pois a vida deixa de ter sentido, sendo vivida – como refere o Cardeal Paul Poupard – «sem transcendência», de «uma maneira efémera», algo sem continuidade, feita da simples soma de alguns momentos, o que gera, consequentemente, a ausência de um verdadeiro futuro.
Este modo de viver, sem referência a Deus e à Sua palavra, revelada no Deus Menino, tem ainda como consequência uma verdadeira falta de humanidade, daquela humanidade que Ele, na sua Encarnação, nos revelou. Daí o drama profundo de vidas dissipadas pelos mais diversos
vícios humanos, ou manipuladas por interesses imediatos, tantas vezes espelhados nos grandes dramas pessoais e sociais com que nos confrontamos em cada dia, nomeadamente através da multiplicidade de meios de comunicação social.
Mas também nós, cristãos, nos poderemos manter na recusa em recebê-Lo se os nossos critérios pessoais assentarem na vivência egoísta da vida, no conflito, nalguma forma de exploração dos outros – pela falta de verdade ou de honestidade – ou simplesmente pela incapacidade de acolher mais profundamente a luz que o Verbo eterno nos revela na sua perene misericórdia.
Na verdade, contudo, a todos Jesus se oferece como a Palavra definitiva – o Verbo – do Pai, expressão plena do Seu amor para connosco. Uma palavra próxima, que partilha a nossa história e lhe rasga um sentido radicalmente novo, dizendo-nos quem Deus é para nós e quem nós somos para Ele.

2. «Mas, àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo. 1, 12)

Receber Jesus e aceitá-Lo pressupõe um verdadeiro acto de fé; isto é, o assentimento livre a Deus revelador, que, na riqueza do Seu amor, «fala aos homens como amigos e convive com eles, para os admitir à comunhão com Ele» (cf. CIC. 142). A obediência da fé - «submissão livre à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade» (CIC. 144) – é condição para partilharmos a vida de filhos no Filho; herdeiros, com Ele, da plenitude da vida que Ele nos oferece pela Sua Encarnação, Morte e Ressurreição. Na verdade, Jesus fez-se carne, no meio de nós, para «nos tornar participantes da Sua natureza divina» (CIC. 460). Assim
compreendemos a expressão de João: «deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo. 1, 12). Esta realidade, que é sempre primeiramente iniciativa de Deus (cf. CIC. 51 – 52; 458), que deseja «que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1Tm. 2, 4), pressupõe então esta livre adesão do homem a Deus e assentimento à verdade por Ele revelada (cf.CIC. 150), cuja expressão plena se encontra na revelação do Filho, feito homem no meio de nós (cf. 2ª Leitura), «a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai» (CIC. 65). E a consequência, como se referiu já, é a nossa própria filiação divina. A graça de nos tornarmos deuses, como referem os padres da Igreja, mormente Santo Atanásio e São Tomás que, respectivamente, o afirmam: «Porque o filho de Deus fez-se homem, para nos fazer deuses» e ainda «o Filho
Unigénito de Deus, querendo que fôssemos participantes da Sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses» (CIC. 460). Esta é, com efeito, a graça maior que nos é concedida pela Encarnação de Cristo – a filiação divina.

3. «Foi da sua plenitude que todos nós recebemos graça sobre graça» (Jo. 1, 16)

Com esta expressão, por seu turno, João diz-nos claramente que a Antiga Aliança foi
suplantada pela Nova Aliança realizada em Jesus Cristo. É, uma vez mais, a afirmação de que pela participação da Sua vida nos foi concedido o dom pleno da condição de filhos.
Mas que outras graças recebemos nós pela Encarnação de Cristo? Deixemos que o Catecismo da Igreja Católica nos responda, ao propor-nos a meditação do que recitamos no Credo, quando afirmamos «por nós homens, e para nossa salvação, desceu dos céus, e encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e se fez homem» (cf. CIC. 456).
Antes de mais, o Verbo fez-se carne «para que assim conhecêssemos o amor de Deus: ‘Assim se manifestou o amor de Deus para connosco: Deus enviou ao mundo o Seu Filho Unigénito, para que vivamos porEle’» (CIC. 458).
Logo depois, o Verbo fez-se carne «para ser o nosso modelo de santidade» (CIC. 459), segundo aquela palavra do próprio Jesus: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim» (Jo. 14, 6); ou ainda: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei» (Jo. 15, 12),
significando que «este amor implica a oferta efectiva de nós mesmos» (CIC. 459) no seguimento de Jesus Cristo.
E, finalmente, para «nos tornar participantes da natureza divina» (CIC. 460) como anteriormente referimos, a que podemos acrescentar ainda o comentário de Santo Ireneu de Lião: «Pois por essa razão o Verbo se fez homem, e o Filho de Deus se fez Filho do Homem: foi
para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a adopção divina, se tornasse filho de Deus» (CIC. 460).
Conclusão

A terminar, julgo que este é o momento oportuno – momento de graça – para compreendermos
profundamente o mistério do Verbo de Deus feito carne e de o testemunharmos a todos os nossos irmãos, com toda a força da nossa alma. Compreendermos, igualmente, a graça que nos foi dada mediante a plenitude do amor de Deus, realizada a nosso favor, fazendo de nós filhos no Seu Filho único, mediante a Sua encarnação.
Um forte convite, que nos responsabiliza, ainda, a vivermos como filhos da luz e herdeiros da vida, centrados em Cristo, nossa esperança, imitando-O na graça filial, na vivência da santidade e num permanente louvor ao Deus que é Pai e que no Seu Filho, nos encheu de todas «as bênçãos espirituais, nos céus» (Ef. 1, 3) e por Ele «nos predestinou para sermos seus filhos adoptivos, conforme o beneplácito da Sua vontade» (Ef. 1, 5).

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mensagem de Natal de Sr. D. Virgílio Antunes, Bispo de Coimbra


MENSAGEM DE NATAL

1. Natal de fé
A razão de ser da festa do Natal encontra-se na Pessoa de Jesus Cristo, Filho de Deus, incarnado no seio de Maria e nascido em Belém.
Enquanto cristãos, aprofundamos a consciência da fé que nos anima e procuramos dar sinais ao mundo de que ela nos fortalece em todos os momentos da vida, de sofrimento ou de consolação.
O presépio que fazemos nas nossas casas, nas igrejas e nos lugares públicos, não é somente o resultado de uma tradição cultural ou religiosa mas, na sua singeleza, é um sinal da fé na vinda ao mundo do Salvador.
Mais importante do que as tradições ligadas a esta quadra, e elas são muito ricas e expressivas entre nós, os cristãos hão-de privilegiar as atitudes de fé, que transformam a vida pessoal, familiar e social.

2. Natal de esperança
O natal de Jesus Cristo e o nosso natal é fonte da esperança mais autêntica, que não se baseia em realidades efémeras, mas em Deus, princípio de todas as coisas, e no Homem, criado para um futuro novo de glória.
As situações difíceis abundam e muitos homens e mulheres, nossos irmãos, são vítimas da ausência de razões para a esperança. A falta de condições materiais de vida afectam muitas famílias, que não podem ver um futuro sorridente e promissor para as crianças e os jovens. Os dramas humanos e espirituais sucedem-se e deixam prostradas muitas pessoas, que não têm as necessárias forças interiores para se levantarem e reanimarem.
A todos estes que, afinal, somos de algum modo, todos nós, o Natal convida a levantar a cabeça, e a contemplar o Emanuel, o Deus connosco, fonte de toda a esperança.

3. Natal de caridade
O nascimento de Jesus Cristo, juntamente com a Sua paixão e morte na cruz, constituem a grande revelação do amor de Deus para com a Humanidade. No modo de amar de Deus ganha nova luz todo o amor humano, a generosidade, a partilha. Em Jesus Cristo aprendemos os contornos da fraternidade mais radical, de quem dá o que tem e se dá a Si mesmo em favor dos irmãos.
Nos tempos difíceis em que vivemos, tem novas expressões a caridade de que o Natal é sempre mensageiro. A pobreza de muitas pessoas exige soluções que passam pelas mudanças estruturais da sociedade e pelo auxílio caritativo.
Que neste Natal, aprofundemos o sentido humano e cristão da fraternidade; procuremos mudar a nossa mentalidade egoísta; ensinemos às crianças e jovens a alegria de partilhar; abramo-nos a muitas iniciativas e campanhas de auxílio aos pobres.
Se nunca é lícito esbanjar, em tempos de fome e de pobreza à nossa porta, torna-se um ato ainda mais desumano. Haverá, por isso, um lugar privilegiado para a caridade pessoal e material, fruto de uma maior sobriedade nas festividades natalícias.
Um santo e feliz Natal!

Coimbra, 12 de Dezembro de 2011
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra