Com esta expressão, retirada do final do Evangelho de hoje, nós somos colocados diante do acontecimento inicialmente ininteligível para os discípulos, em toda a sua profundidade e sentido existencial. Só progressivamente eles vão entendendo o significado da ressurreição, particularmente à medida que fazem a experiência do Ressuscitado.
Mas também nós, hoje, podemos permanecer ainda numa atitude semelhante à experiência inicial dos apóstolos: sem compreender o significado profundo da ressurreição de Jesus e as suas implicações na nossa existência humana e cristã. A experiência do túmulo vazio continua a ser tão inquietante, que coloca uns numa compreensão meramente tradicional de tal acontecimento; e a outros conduz a uma negação, prática ou teórica, de tal possibilidade. Não é raro, mesmo entre cristãos, que a compreensão deste acontecimento fundante da fé cristã se esfume no seu significado profundo, quantas vezes confundido com outras perspectivas de afirmação do sentido da vida e do sentido da morte.
Ora, a experiência de Cristo ressuscitado está no centro da nossa fé de cristãos! Como diz o Papa Bento XVI, na sua obra mais recente Jesus de Nazaré - num comentário à expressão da Carta aos Coríntios, «se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã também a vossa fé» (1 Cor. 15, 14) - «com estas palavras, São Paulo põe drasticamente em relevo a importância que a fé na ressurreição de Jesus tem para a mensagem cristã no seu conjunto: ela é o seu fundamento» . E, neste sentido, continua ainda o Papa: «a fé cristã fica de pé ou cai com a verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos» .
É com esta preocupação que, por breves instantes, consideraremos a nossa sensibilidade humana ou sociológica da ressurreição, para logo depois afirmarmos os fundamentos para a sua compreensão e consequências na vida da Igreja e de cada cristão.
1. Perspectiva humana /sociológica da Ressurreição.
A afirmação da ressurreição de Cristo é um facto que aprendemos na catequese; que assumimos como adquirido, porquanto afirmado por aquele ou aqueles em que quem reconhecíamos autoridade; ou simplesmente porque sentimos necessidade de dar resposta, ainda que por vezes pouco clarividente, aos limites da nossa necessidade humana, particularmente quando nos confrontamos com as «sombras» da vida, como são a doença e a morte. Todavia, não raro, permanecemos numa atitude de infância espiritual, de mera necessidade, ou de permanente questionamento. Não é raro, ainda, encontrarmos cristãos que, perante a dificuldade da fé na ressurreição, a negam como esperança definitiva para a sua vida humana e plenitude do dom que já nos foi oferecido pelo baptismo. É neste contexto que tomamos, também nós, a mesma expressão de São Paulo, na Carta aos Coríntios: «se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação e vã a nossa fé» (1 Cor. 15, 14). Mas é ainda o apóstolo, de modo determinado, quem contraria tal afirmação, revelando-nos o facto radicalmente novo: «Cristo ressuscitou dos mortos como primícias [o primeiro] dos que morreram» (1 Cor. 15, 20).
E se é certo que vemos ainda como num espelho, e só depois veremos face a face, como afirma São Paulo, a verdade é que o próprio Cristo declarou bem-aventurados os que acreditam sem terem visto (cf. Jo. 20, 29).
2. A Ressurreição como acontecimento fundante.
A ressurreição de Cristo é o fundamento da nossa fé, como afirmámos já. E o Catecismo da Igreja Católica diz-nos que «ser testemunha de Cristo é ser “testemunha da sua ressurreição”» (CIC. 995), numa alusão aos Actos dos Apóstolos.
Mas o que é a ressurreição? Detenhamo-nos no pensamento do Papa Bento XVI e com ele compreendamos o mistério que hoje celebramos. Diz-nos o Papa que «a ressurreição de Jesus foi a evasão para um género de vida totalmente novo, para uma vida já não sujeita à lei do morrer e do transformar-se, mas situada para além disso – uma vida que inaugurou uma nova dimensão de ser homem. Por isso, a ressurreição de Jesus não é um acontecimento singular que possamos menosprezar e que pertença apenas ao passado, mas sim uma espécie de “mutação decisiva” (expressão equívoca, mas usada aqui analogicamente), um salto de qualidade» . Para logo acrescentar: «na ressurreição de Jesus, foi alcançada uma nova possibilidade de ser homem, uma possibilidade que interessa a todos e abre um futuro, um novo género de futuro para os homens» .
Mesmo face à ciência, que não raro tende a negar o facto da ressurreição, o Papa responde com esta admirável clarividência: «naturalmente que não pode haver contradição com aquilo que constitui um claro dado científico. É certo que, nos testemunhos sobre a ressurreição, se fala de algo que não ocorre no mundo da nossa experiência. Fala-se de algo novo que, até então, era único: fala-se de uma nova dimensão da realidade que se manifesta» .
O acontecimento da ressurreição, para além da experiência íntima (a via mística) a que tantos chegaram, provem-nos essencialmente pelo testemunho apostólico. De modo particular os Actos dos Apóstolos e as cartas do Novo Testamento patenteiam-nos este testemunho singular. Mas é ainda o Papa Bento XVI quem nos ajuda a clarificar algumas impressões do encontro dos discípulos com o Ressuscitado, permitindo-nos perceber quem Ele é e qual a natureza desse encontro. Diz-nos o Papa que Jesus não é alguém que voltou à vida biológica normal e que depois teve de morrer novamente; tão pouco é um fantasma (um «espírito»), ou seja, alguém que pertencendo ao mundo dos mortos se manifesta no mundo dos vivos; de igual modo, a experiência do ressuscitado não se confunde com as experiências místicas, marcadas por «uma superação momentânea do âmbito da alma e das suas faculdades de percepção» . «A ressurreição – diz o Papa - é um acontecimento dentro da história, que, todavia, rompe o âmbito da história e a ultrapassa. (…) Sem dúvida, a própria matéria é transformada num novo género de realidade. Agora, o Homem Jesus, precisamente com o seu próprio corpo, pertence totalmente á esfera do divino, do eterno» .
É este mistério que celebramos em Cristo – a Sua ressurreição e a nossa ressurreição n’Ele. Pois, como afirma o Catecismo da Igreja Católica, «Nós cremos e esperamos firmemente que, tal como Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos e vive para sempre, assim também os justos, depois da morte, viverão para sempre com Cristo ressuscitado, e que Ele os ressuscitará no último dia» (CIC. 989).
3. Viver como Ressuscitados.
Mas a nossa esperança não é apenas para o futuro; é também já para o presente; sabendo que, «regenerados pelo baptismo», fomos tornados membros de Cristo (cf. CIC. 1213). Ora, é aqui que se insere o convite de Paulo, na segunda leitura de hoje: «se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo se encontra, sentado à direita de Deus» (Col. 3, 1). Isto não significa a evasão da vida e da história. Significa, isso sim, que sabendo qual a esperança a que estamos chamados, dela vivemos já pela prática da caridade. E é o amor, que nos configura com Cristo ressuscitado, que nos torna seus discípulos e nos faz trilhar o mesmo caminho de vida eterna. Vida essa que será o definitivo para além da história de cada um de nós; que suplanta todo o material e perecível, como bem refere J. H. Newman, com quem queremos terminar: «Ó Cristo ressuscitado! Também nós temos que ressuscitar contigo; Tu escondes-Te à vista dos homens e nós temos que seguir-Te; regressaste para o Pai e temos que procurar que a nossa vida «esteja escondida contigo em Deus»… É obrigação e privilégio de todos os discípulos, Senhor, ser elevados e transfigurados contigo; é privilégio nosso viver no céu com os nossos pensamentos, aspirações, desejos e afectos, ainda que permanecendo na carne… Ensina-nos a «aspirar às coisas do alto» (Col. 3, 1), demonstrando assim que Te pertencemos, que o nosso coração ressuscitou contigo e em ti está escondida a nossa vida».