terça-feira, 26 de abril de 2011

Homilia de Domingo de Páscoa - 2011

DOMINGO DE PÁSCOA
(24.04.2011)


«Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos» (Jo. 20, 9)


Com esta expressão, retirada do final do Evangelho de hoje, nós somos colocados diante do acontecimento inicialmente ininteligível para os discípulos, em toda a sua profundidade e sentido existencial. Só progressivamente eles vão entendendo o significado da ressurreição, particularmente à medida que fazem a experiência do Ressuscitado.
Mas também nós, hoje, podemos permanecer ainda numa atitude semelhante à experiência inicial dos apóstolos: sem compreender o significado profundo da ressurreição de Jesus e as suas implicações na nossa existência humana e cristã. A experiência do túmulo vazio continua a ser tão inquietante, que coloca uns numa compreensão meramente tradicional de tal acontecimento; e a outros conduz a uma negação, prática ou teórica, de tal possibilidade. Não é raro, mesmo entre cristãos, que a compreensão deste acontecimento fundante da fé cristã se esfume no seu significado profundo, quantas vezes confundido com outras perspectivas de afirmação do sentido da vida e do sentido da morte.
Ora, a experiência de Cristo ressuscitado está no centro da nossa fé de cristãos! Como diz o Papa Bento XVI, na sua obra mais recente Jesus de Nazaré - num comentário à expressão da Carta aos Coríntios, «se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã também a vossa fé» (1 Cor. 15, 14) - «com estas palavras, São Paulo põe drasticamente em relevo a importância que a fé na ressurreição de Jesus tem para a mensagem cristã no seu conjunto: ela é o seu fundamento» . E, neste sentido, continua ainda o Papa: «a fé cristã fica de pé ou cai com a verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos» .
É com esta preocupação que, por breves instantes, consideraremos a nossa sensibilidade humana ou sociológica da ressurreição, para logo depois afirmarmos os fundamentos para a sua compreensão e consequências na vida da Igreja e de cada cristão.


1. Perspectiva humana /sociológica da Ressurreição.


A afirmação da ressurreição de Cristo é um facto que aprendemos na catequese; que assumimos como adquirido, porquanto afirmado por aquele ou aqueles em que quem reconhecíamos autoridade; ou simplesmente porque sentimos necessidade de dar resposta, ainda que por vezes pouco clarividente, aos limites da nossa necessidade humana, particularmente quando nos confrontamos com as «sombras» da vida, como são a doença e a morte. Todavia, não raro, permanecemos numa atitude de infância espiritual, de mera necessidade, ou de permanente questionamento. Não é raro, ainda, encontrarmos cristãos que, perante a dificuldade da fé na ressurreição, a negam como esperança definitiva para a sua vida humana e plenitude do dom que já nos foi oferecido pelo baptismo. É neste contexto que tomamos, também nós, a mesma expressão de São Paulo, na Carta aos Coríntios: «se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação e vã a nossa fé» (1 Cor. 15, 14). Mas é ainda o apóstolo, de modo determinado, quem contraria tal afirmação, revelando-nos o facto radicalmente novo: «Cristo ressuscitou dos mortos como primícias [o primeiro] dos que morreram» (1 Cor. 15, 20).
E se é certo que vemos ainda como num espelho, e só depois veremos face a face, como afirma São Paulo, a verdade é que o próprio Cristo declarou bem-aventurados os que acreditam sem terem visto (cf. Jo. 20, 29).


2. A Ressurreição como acontecimento fundante.


A ressurreição de Cristo é o fundamento da nossa fé, como afirmámos já. E o Catecismo da Igreja Católica diz-nos que «ser testemunha de Cristo é ser “testemunha da sua ressurreição”» (CIC. 995), numa alusão aos Actos dos Apóstolos.
Mas o que é a ressurreição? Detenhamo-nos no pensamento do Papa Bento XVI e com ele compreendamos o mistério que hoje celebramos. Diz-nos o Papa que «a ressurreição de Jesus foi a evasão para um género de vida totalmente novo, para uma vida já não sujeita à lei do morrer e do transformar-se, mas situada para além disso – uma vida que inaugurou uma nova dimensão de ser homem. Por isso, a ressurreição de Jesus não é um acontecimento singular que possamos menosprezar e que pertença apenas ao passado, mas sim uma espécie de “mutação decisiva” (expressão equívoca, mas usada aqui analogicamente), um salto de qualidade» . Para logo acrescentar: «na ressurreição de Jesus, foi alcançada uma nova possibilidade de ser homem, uma possibilidade que interessa a todos e abre um futuro, um novo género de futuro para os homens» .
Mesmo face à ciência, que não raro tende a negar o facto da ressurreição, o Papa responde com esta admirável clarividência: «naturalmente que não pode haver contradição com aquilo que constitui um claro dado científico. É certo que, nos testemunhos sobre a ressurreição, se fala de algo que não ocorre no mundo da nossa experiência. Fala-se de algo novo que, até então, era único: fala-se de uma nova dimensão da realidade que se manifesta» .
O acontecimento da ressurreição, para além da experiência íntima (a via mística) a que tantos chegaram, provem-nos essencialmente pelo testemunho apostólico. De modo particular os Actos dos Apóstolos e as cartas do Novo Testamento patenteiam-nos este testemunho singular. Mas é ainda o Papa Bento XVI quem nos ajuda a clarificar algumas impressões do encontro dos discípulos com o Ressuscitado, permitindo-nos perceber quem Ele é e qual a natureza desse encontro. Diz-nos o Papa que Jesus não é alguém que voltou à vida biológica normal e que depois teve de morrer novamente; tão pouco é um fantasma (um «espírito»), ou seja, alguém que pertencendo ao mundo dos mortos se manifesta no mundo dos vivos; de igual modo, a experiência do ressuscitado não se confunde com as experiências místicas, marcadas por «uma superação momentânea do âmbito da alma e das suas faculdades de percepção» . «A ressurreição – diz o Papa - é um acontecimento dentro da história, que, todavia, rompe o âmbito da história e a ultrapassa. (…) Sem dúvida, a própria matéria é transformada num novo género de realidade. Agora, o Homem Jesus, precisamente com o seu próprio corpo, pertence totalmente á esfera do divino, do eterno» .
É este mistério que celebramos em Cristo – a Sua ressurreição e a nossa ressurreição n’Ele. Pois, como afirma o Catecismo da Igreja Católica, «Nós cremos e esperamos firmemente que, tal como Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos e vive para sempre, assim também os justos, depois da morte, viverão para sempre com Cristo ressuscitado, e que Ele os ressuscitará no último dia» (CIC. 989).


3. Viver como Ressuscitados.


Mas a nossa esperança não é apenas para o futuro; é também já para o presente; sabendo que, «regenerados pelo baptismo», fomos tornados membros de Cristo (cf. CIC. 1213). Ora, é aqui que se insere o convite de Paulo, na segunda leitura de hoje: «se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo se encontra, sentado à direita de Deus» (Col. 3, 1). Isto não significa a evasão da vida e da história. Significa, isso sim, que sabendo qual a esperança a que estamos chamados, dela vivemos já pela prática da caridade. E é o amor, que nos configura com Cristo ressuscitado, que nos torna seus discípulos e nos faz trilhar o mesmo caminho de vida eterna. Vida essa que será o definitivo para além da história de cada um de nós; que suplanta todo o material e perecível, como bem refere J. H. Newman, com quem queremos terminar: «Ó Cristo ressuscitado! Também nós temos que ressuscitar contigo; Tu escondes-Te à vista dos homens e nós temos que seguir-Te; regressaste para o Pai e temos que procurar que a nossa vida «esteja escondida contigo em Deus»… É obrigação e privilégio de todos os discípulos, Senhor, ser elevados e transfigurados contigo; é privilégio nosso viver no céu com os nossos pensamentos, aspirações, desejos e afectos, ainda que permanecendo na carne… Ensina-nos a «aspirar às coisas do alto» (Col. 3, 1), demonstrando assim que Te pertencemos, que o nosso coração ressuscitou contigo e em ti está escondida a nossa vida».

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