SOLENIDADE
DE SANTA MARIA
MÃE DE DEUS
1 JAN. 2013
Começaram a contar o que lhes tinham anunciado
sobre Aquele Menino (Lc. 2,17)
Introdução:
No primeiro dia do ano celebramos sempre o mistério da
Virgem Mãe de Deus – a mãe do Verbo que se fez carne entre nós (Jo. 1, 14) –,
celebração constitutiva do Natal, com a qual se encerra a sua oitava; bem como
a maternidade de Maria relativamente à Igreja, especialmente enquanto seu
modelo e intercessora, nessa relação maternal que, pela mesma encarnação de
Cristo, a ela nos vincula, enquanto membros do Seu Filho (cf. LG. 62).
Mas
o primeiro dia do ano é ainda momento propício para suplicar a Deus que nos
conceda um tempo de verdadeira paz - dom precioso que Deus já nos concedeu,
pela dádiva do verdadeiro Príncipe da Paz, o Seu Filho Unigénito, feito homem no
meio de nós; enquanto, por outro lado, esta é ainda tarefa de que Ele nos
incumbe, pela fidelidade à construção daquele Reino que Cristo, o Seu Filho
Primogénito, já instaurou na plenitude dos tempos, mas que aguarda ainda a sua
plena consumação, no tempo que há-de vir. Neste sentido, a paz é
inequivocamente um dom amoroso que Deus já concedeu a todos os povos, mas
igualmente tarefa que temos de continuar, no devir da nossa própria história,
para que esta seja uma graça partilhada na harmonia de uma sincera vida
fraterna, na fidelidade à vontade de Deus a nosso respeito. É neste contexto, de
resto, e atenta ao mundo hodierno, que se inscreve, em cada ano, a mensagem do
Papa para o Dia Mundial da Paz, este
ano sob o lema: Bem- aventurados os
obreiros da Paz.
Detenhamo-nos, então, brevemente, sobre o mistério de Maria, Mãe de Deus
e Mãe da Igreja; sobre os convites que a Igreja nos faz neste Dia Mundial da Paz; para terminarmos invocando,
de novo, Maria, a verdadeira Rainha da Paz.
1.
Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja
O
mistério de Maria Virgem Mãe - a Theotókos,
para usar a expressão do Concilio de Éfeso (431) – não se distingue do mistério
do Natal, mas é nele que bebe, como sua fonte; pois todo o mistério, vocação e
vivência de Maria nos centram na encarnação de seu Filho, «o Qual por amor de
nós homens, e para nossa salvação, desceu dos Céus e encarnou pelo poder do
Espírito Santo, no seio da Virgem Maria» (cf. LG. 52), como reafirmaremos,
dentro de poucos instantes, e uma vez mais, no Credo. É neste mistério do Verbo
feito carne e Sua missão que compreendemos o lugar singular que Maria ocupa na
história da nossa salvação, pois a «união da Mãe com o Filho na obra da
redenção, manifesta-se desde o momento em que Jesus é concebido virginalmente até
à Sua morte» (LG. 57), fazendo com que nela, «a excelsa filha de Sião» (LG. 55),
o tempo atingisse a sua plenitude e se inaugurasse uma nova graça, «quando o
Filho de Deus assume dela a natureza humana, para, mediante, os mistérios da
Sua carne, libertar o homem do pecado» (LG. 55). Maria está, pois, unida
indissoluvelmente ao mistério de seu Filho, pela graça da sua maternidade.
Mas,
porque Mãe de Jesus Cristo, ela é também Mãe de todos os cristãos, os membros
de seu Filho, por quem intercede, continuando a obter-nos os dons da salvação
eterna (cf. LG. 62). Na verdade, «com o seu amor de Mãe, cuida dos irmãos do
seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e angústias, até que
sejam conduzidos à Pátria feliz. Por isso, a Santíssima Virgem é invocada, na
Igreja, com os títulos de advogada, auxiliadora, amparo e medianeira» (LG. 62).
Partilhando a única mediação de Cristo (cf. LG. 62), o seu Filho, junto de Quem
intercede a nosso favor, ela é para nós verdadeiramente Mãe solícita,
encaminhando-nos para o dom da salvação eterna (cf. LG. 62).
Maria é, ainda, modelo da Igreja, de quem é figura, seja enquanto sinal
da esperança futura (cf. LG. 68), ela que está «já glorificada nos Céus em
corpo e alma» (LG. 68), seja enquanto imagem perfeita na ordem da fé, da
caridade e da perfeita união com Cristo (c. LG. 63). Por isso, a Igreja,
celebrando-a como sua Mãe, «na ordem da graça» (LG. 61), deixando que ela nos
atraia para seu Filho (cf. LG. 65), celebra-a também como exemplo das virtudes
teologais – a fé, a esperança e a caridade - «buscando e cumprindo em tudo a
vontade de Deus» (LG. 65).
Por
ela, Mãe fiel, somos conduzidos à escuta e à imitação de seu Filho, Aquele a
quem proclamamos como único Príncipe da Paz.
2.
Cristo é na verdade a nossa Paz.
São
Paulo, na Carta aos Efésios, proclama solenemente que Cristo é a nossa paz (cf.
Ef. 2, 14) – paz para os que estavam longe e paz para os que estavam perto (cf.
Ef. 2, 17). Assim, neste primeiro dia do ano, renova-se o convite, dirigido a
todos os homens, para que acolham o único Príncipe da Paz, pois Ele em Si mesmo
criou um só «Homem Novo», estabelecendo a paz, mediante a Sua cruz,
reconciliando-nos com Deus (cf. Ef. 2, 15 – 16), de Quem nos fez verdadeiramente
filhos adotivos Cf. Ef. 1, 5).
Este
mesmo convite ressoa na voz da Igreja, neste dia de hoje e no início de um novo
ano, convidando-nos a um renovado acolhimento e anúncio de Jesus Cristo, o
único em que encontramos a verdadeira paz. Conscientes, como nos refere o Papa
Bento XVI, na sua Mensagem para o Dia
Mundial da Paz, de que «A Igreja está convencida de que urge um novo
anúncio de Jesus Cristo, primeiro e principal fator de desenvolvimento integral
dos povos e também da paz» (nº3), pois, na verdade, «Jesus é a nossa paz, a
nossa justiça, a nossa reconciliação» (nº 3). É que quem acolhe Jesus Cristo, o
«Homem-Deus», vive «a jubilosa experiência de um dom imenso: a participação na
própria vida de Deus, isto é, a vida da graça, penhor duma vida plenamente
feliz» (nº 2), sabendo ainda que «Jesus Cristo nos dá a paz verdadeira, que
nasce do encontro confiante do homem com Deus» (nº 2).
Mas
se esta paz deve ser acolhida, tem de ser igualmente anunciada – a paz para os
que estavam longe (cf. Ef. 2, 17) -, realizando a missão singular da Igreja,
referida pelo Concilio Vaticano II: «O Espirito Santo impele-a a cooperar na
realização do propósito de Deus, que estabeleceu Cristo como princípio de
salvação para o mundo inteiro» (LG. 17). Assim, a Igreja deve dispor os seus
ouvintes para que creiam e confessem a fé, preparando-os para o batismo, libertando-os
da escravidão do erro e incorporando-os a Cristo, «para que amando-O, cresçam
até à plenitude» (LG. 17).
Tal
anúncio faz-se por palavras e por obras, encarnando o Reino de Deus, que Cristo
realizou plenamente, Ele que não apenas o anunciou, mas que o encarnou no seu
conjunto, até «ao dom total de Si mesmo» (nº 7).
De
igual forma, a Igreja anuncia e vive deste Reino, encarnando-o na história dos
povos de cada tempo, purificando-a com as luzes do Evangelho. É neste contexto
que se evidencia a Mensagem do Papa para o Dia
Mundial da Paz, com convites muito sérios, a interpelar o nosso tempo e a
sua cultura dominante.
Desde logo, o Papa apela à prossecução de um verdadeiro bem comum, que
define como o «conjunto de relações interpessoais e instituições positivas ao
serviço do crescimento integral dos indivíduos e dos grupos», na esteira do
Concílio Vaticano II, e que «está na base de toda a verdadeira educação para a
paz» (nº 6). O tempo hodierno reclama um «renovado e concorde empenho» (nº 1)
na realização deste bem comum, que tem de se concretizar como princípio
fundamental ao serviço de uma nova cultura, apoiada num novo pensamento e
síntese cultural (cf. nº 6) que, superando toda a espécie de tecnicismos,
«harmonize as várias tendências políticas em ordem a este mesmo bem comum» (cf.
nº6), promovendo «o desenvolvimento de todo homem e do homem todo» (nº 1).
E se
o Papa apela a uma nova cultura, enquanto «humanismo aberto à transcendência»
(nº 2), que a paz necessariamente tem de pressupor, não deixa de apelar a uma
nova ética de «comunhão» e de «partilha», que supere as conceções antropológicas
e éticas fundadas sobre «motivos teórico-práticos meramente subjetivistas e
pragmáticos, em virtude dos quais as relações de convivência se inspiram em
critérios de poder e de lucro» (nº 2), assentes na «técnica» e na «eficiência»
(nº 2), em vez de se centrarem na verdade da pessoa e o do seu bem pessoal e
coletivo.
É
neste mesmo sentido que o Papa apela a uma nova cultura face à família; ao
respeito pela vida humana, em todas as suas fases; à liberdade religiosa; ao
direito ao trabalho, relativamente ao qual refere explicitamente - «não só a
dignidade do homem mas também razões económicas, sociais e políticas exigem que
se continue “a perseguir como prioritário o objetivo do acesso ao trabalho para
todos, ou da sua manutenção”. Para se realizar este ambicioso objetivo, é
condição preliminar uma renovada apreciação do trabalho, fundada em princípios
éticos e valores espirituais, que revigore a sua conceção como bem fundamental
para a pessoa, a família e a sociedade. A um tal bem correspondem um direito e
um dever, que exigem novas e ousadas políticas de trabalho para todos» (nº 4)
-; ou ainda a um novo modelo de desenvolvimento e da economia, que pressuponha
sempre o bem comum, pois quem «exerce a atividade económica para o bem comum,
vive o seu compromisso como algo que ultrapassa o interesse próprio,
beneficiando as gerações presentes e futuras. Deste modo sente-se a trabalhar
não só para si mesmo, mas também para dar aos outros um futuro e um trabalho
dignos» (nº 5).
É
que a paz – continuando com as palavras do Papa - «envolve o ser humano na sua
integridade e supõe o empenhamento da pessoa inteira: é paz com Deus, vivendo
conforme à sua vontade; é paz interior consigo mesmo; e paz exterior com o
próximo e com toda a criação» (nº 3). Sabendo que «a pedagogia para a paz
implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e perseverança» (nº 7).
3.
Confiados na intercessão de Maria
Neste dia, voltamo-nos para Maria, a Rainha da Paz, porque Mãe do
Príncipe da Paz, e estimulados pela imitação das suas virtudes (cf. LG. 67),
pedimos-lhe que interceda por nós, para que em tudo e acima de tudo, nós, a Igreja,
que a professamos como Mãe e que a temos como nossa singular representante, nos
assemelhemos mais à sua figura, «progredindo continuamente na fé, na esperança
e na caridade, buscando e cumprindo em tudo a vontade de Deus» (LG. 65).
Àmen.
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
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