sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Homilia da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus (1 Janeiro de 2013)


SOLENIDADE DE SANTA MARIA

MÃE DE DEUS

1 JAN. 2013


Começaram a contar o que lhes tinham anunciado

sobre Aquele Menino (Lc. 2,17)


Introdução:


   No primeiro dia do ano celebramos sempre o mistério da Virgem Mãe de Deus – a mãe do Verbo que se fez carne entre nós (Jo. 1, 14) –, celebração constitutiva do Natal, com a qual se encerra a sua oitava; bem como a maternidade de Maria relativamente à Igreja, especialmente enquanto seu modelo e intercessora, nessa relação maternal que, pela mesma encarnação de Cristo, a ela nos vincula, enquanto membros do Seu Filho (cf. LG. 62).

   Mas o primeiro dia do ano é ainda momento propício para suplicar a Deus que nos conceda um tempo de verdadeira paz - dom precioso que Deus já nos concedeu, pela dádiva do verdadeiro Príncipe da Paz, o Seu Filho Unigénito, feito homem no meio de nós; enquanto, por outro lado, esta é ainda tarefa de que Ele nos incumbe, pela fidelidade à construção daquele Reino que Cristo, o Seu Filho Primogénito, já instaurou na plenitude dos tempos, mas que aguarda ainda a sua plena consumação, no tempo que há-de vir. Neste sentido, a paz é inequivocamente um dom amoroso que Deus já concedeu a todos os povos, mas igualmente tarefa que temos de continuar, no devir da nossa própria história, para que esta seja uma graça partilhada na harmonia de uma sincera vida fraterna, na fidelidade à vontade de Deus a nosso respeito. É neste contexto, de resto, e atenta ao mundo hodierno, que se inscreve, em cada ano, a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, este ano sob o lema: Bem- aventurados os obreiros da Paz.

   Detenhamo-nos, então, brevemente, sobre o mistério de Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja; sobre os convites que a Igreja nos faz neste Dia Mundial da Paz; para terminarmos invocando, de novo, Maria, a verdadeira Rainha da Paz.
 

1. Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja


   O mistério de Maria Virgem Mãe - a Theotókos, para usar a expressão do Concilio de Éfeso (431) – não se distingue do mistério do Natal, mas é nele que bebe, como sua fonte; pois todo o mistério, vocação e vivência de Maria nos centram na encarnação de seu Filho, «o Qual por amor de nós homens, e para nossa salvação, desceu dos Céus e encarnou pelo poder do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria» (cf. LG. 52), como reafirmaremos, dentro de poucos instantes, e uma vez mais, no Credo. É neste mistério do Verbo feito carne e Sua missão que compreendemos o lugar singular que Maria ocupa na história da nossa salvação, pois a «união da Mãe com o Filho na obra da redenção, manifesta-se desde o momento em que Jesus é concebido virginalmente até à Sua morte» (LG. 57), fazendo com que nela, «a excelsa filha de Sião» (LG. 55), o tempo atingisse a sua plenitude e se inaugurasse uma nova graça, «quando o Filho de Deus assume dela a natureza humana, para, mediante, os mistérios da Sua carne, libertar o homem do pecado» (LG. 55). Maria está, pois, unida indissoluvelmente ao mistério de seu Filho, pela graça da sua maternidade.


   Mas, porque Mãe de Jesus Cristo, ela é também Mãe de todos os cristãos, os membros de seu Filho, por quem intercede, continuando a obter-nos os dons da salvação eterna (cf. LG. 62). Na verdade, «com o seu amor de Mãe, cuida dos irmãos do seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e angústias, até que sejam conduzidos à Pátria feliz. Por isso, a Santíssima Virgem é invocada, na Igreja, com os títulos de advogada, auxiliadora, amparo e medianeira» (LG. 62). Partilhando a única mediação de Cristo (cf. LG. 62), o seu Filho, junto de Quem intercede a nosso favor, ela é para nós verdadeiramente Mãe solícita, encaminhando-nos para o dom da salvação eterna (cf. LG. 62).


   Maria é, ainda, modelo da Igreja, de quem é figura, seja enquanto sinal da esperança futura (cf. LG. 68), ela que está «já glorificada nos Céus em corpo e alma» (LG. 68), seja enquanto imagem perfeita na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo (c. LG. 63). Por isso, a Igreja, celebrando-a como sua Mãe, «na ordem da graça» (LG. 61), deixando que ela nos atraia para seu Filho (cf. LG. 65), celebra-a também como exemplo das virtudes teologais – a fé, a esperança e a caridade - «buscando e cumprindo em tudo a vontade de Deus» (LG. 65).

   Por ela, Mãe fiel, somos conduzidos à escuta e à imitação de seu Filho, Aquele a quem proclamamos como único Príncipe da Paz.

 
2. Cristo é na verdade a nossa Paz.


   São Paulo, na Carta aos Efésios, proclama solenemente que Cristo é a nossa paz (cf. Ef. 2, 14) – paz para os que estavam longe e paz para os que estavam perto (cf. Ef. 2, 17). Assim, neste primeiro dia do ano, renova-se o convite, dirigido a todos os homens, para que acolham o único Príncipe da Paz, pois Ele em Si mesmo criou um só «Homem Novo», estabelecendo a paz, mediante a Sua cruz, reconciliando-nos com Deus (cf. Ef. 2, 15 – 16), de Quem nos fez verdadeiramente filhos adotivos Cf. Ef. 1, 5).

   Este mesmo convite ressoa na voz da Igreja, neste dia de hoje e no início de um novo ano, convidando-nos a um renovado acolhimento e anúncio de Jesus Cristo, o único em que encontramos a verdadeira paz. Conscientes, como nos refere o Papa Bento XVI, na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz, de que «A Igreja está convencida de que urge um novo anúncio de Jesus Cristo, primeiro e principal fator de desenvolvimento integral dos povos e também da paz» (nº3), pois, na verdade, «Jesus é a nossa paz, a nossa justiça, a nossa reconciliação» (nº 3). É que quem acolhe Jesus Cristo, o «Homem-Deus», vive «a jubilosa experiência de um dom imenso: a participação na própria vida de Deus, isto é, a vida da graça, penhor duma vida plenamente feliz» (nº 2), sabendo ainda que «Jesus Cristo nos dá a paz verdadeira, que nasce do encontro confiante do homem com Deus» (nº 2).

   Mas se esta paz deve ser acolhida, tem de ser igualmente anunciada – a paz para os que estavam longe (cf. Ef. 2, 17) -, realizando a missão singular da Igreja, referida pelo Concilio Vaticano II: «O Espirito Santo impele-a a cooperar na realização do propósito de Deus, que estabeleceu Cristo como princípio de salvação para o mundo inteiro» (LG. 17). Assim, a Igreja deve dispor os seus ouvintes para que creiam e confessem a fé, preparando-os para o batismo, libertando-os da escravidão do erro e incorporando-os a Cristo, «para que amando-O, cresçam até à plenitude» (LG. 17).


   Tal anúncio faz-se por palavras e por obras, encarnando o Reino de Deus, que Cristo realizou plenamente, Ele que não apenas o anunciou, mas que o encarnou no seu conjunto, até «ao dom total de Si mesmo» (nº 7).

   De igual forma, a Igreja anuncia e vive deste Reino, encarnando-o na história dos povos de cada tempo, purificando-a com as luzes do Evangelho. É neste contexto que se evidencia a Mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, com convites muito sérios, a interpelar o nosso tempo e a sua cultura dominante.

   Desde logo, o Papa apela à prossecução de um verdadeiro bem comum, que define como o «conjunto de relações interpessoais e instituições positivas ao serviço do crescimento integral dos indivíduos e dos grupos», na esteira do Concílio Vaticano II, e que «está na base de toda a verdadeira educação para a paz» (nº 6). O tempo hodierno reclama um «renovado e concorde empenho» (nº 1) na realização deste bem comum, que tem de se concretizar como princípio fundamental ao serviço de uma nova cultura, apoiada num novo pensamento e síntese cultural (cf. nº 6) que, superando toda a espécie de tecnicismos, «harmonize as várias tendências políticas em ordem a este mesmo bem comum» (cf. nº6), promovendo «o desenvolvimento de todo homem e do homem todo» (nº 1).

   E se o Papa apela a uma nova cultura, enquanto «humanismo aberto à transcendência» (nº 2), que a paz necessariamente tem de pressupor, não deixa de apelar a uma nova ética de «comunhão» e de «partilha», que supere as conceções antropológicas e éticas fundadas sobre «motivos teórico-práticos meramente subjetivistas e pragmáticos, em virtude dos quais as relações de convivência se inspiram em critérios de poder e de lucro» (nº 2), assentes na «técnica» e na «eficiência» (nº 2), em vez de se centrarem na verdade da pessoa e o do seu bem pessoal e coletivo.

   É neste mesmo sentido que o Papa apela a uma nova cultura face à família; ao respeito pela vida humana, em todas as suas fases; à liberdade religiosa; ao direito ao trabalho, relativamente ao qual refere explicitamente - «não só a dignidade do homem mas também razões económicas, sociais e políticas exigem que se continue “a perseguir como prioritário o objetivo do acesso ao trabalho para todos, ou da sua manutenção”. Para se realizar este ambicioso objetivo, é condição preliminar uma renovada apreciação do trabalho, fundada em princípios éticos e valores espirituais, que revigore a sua conceção como bem fundamental para a pessoa, a família e a sociedade. A um tal bem correspondem um direito e um dever, que exigem novas e ousadas políticas de trabalho para todos» (nº 4) -; ou ainda a um novo modelo de desenvolvimento e da economia, que pressuponha sempre o bem comum, pois quem «exerce a atividade económica para o bem comum, vive o seu compromisso como algo que ultrapassa o interesse próprio, beneficiando as gerações presentes e futuras. Deste modo sente-se a trabalhar não só para si mesmo, mas também para dar aos outros um futuro e um trabalho dignos» (nº 5).

   É que a paz – continuando com as palavras do Papa - «envolve o ser humano na sua integridade e supõe o empenhamento da pessoa inteira: é paz com Deus, vivendo conforme à sua vontade; é paz interior consigo mesmo; e paz exterior com o próximo e com toda a criação» (nº 3). Sabendo que «a pedagogia para a paz implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e perseverança» (nº 7).


3. Confiados na intercessão de Maria


   Neste dia, voltamo-nos para Maria, a Rainha da Paz, porque Mãe do Príncipe da Paz, e estimulados pela imitação das suas virtudes (cf. LG. 67), pedimos-lhe que interceda por nós, para que em tudo e acima de tudo, nós, a Igreja, que a professamos como Mãe e que a temos como nossa singular representante, nos assemelhemos mais à sua figura, «progredindo continuamente na fé, na esperança e na caridade, buscando e cumprindo em tudo a vontade de Deus» (LG. 65).

Àmen.
 
Pe. Carlos Alberto G. Godinho

 

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